quinta-feira, 15 de março de 2018

Uma Nova Vida

Para contextualizar, no Twitter fiz ((Maggy)) uma sondagem a perguntar se gostavam que publicasse alguns textos de escrita criativa que tenho guardados, e disseram-me que sim, por isso aqui fica o primeiro.




Estou aqui abandonado, não exatamente há quanto tempo, com a  pele cheia de rasgões, a minha linda cor a desaparecer ... Já não tenho um propósito para existir, e por isso é que me encontro no meio de coisas velhas, "lixo", como as pessoas lhe chamam. Isto só significa que os meus donos concordavam comigo: já não valho nada.

Do sítio onde estou consigo ver um grupo de humanos desorientados, que não sabem o que fazer da vida e vêm para aqui procurar algo que lhes mude o rumo. Quem me dera que uma dessas pessoas olhasse para mim e visse alguma utilidade nesta carcaça velha... Assim, eu teria um novo motivo para ser feliz.

Tenho pena destas almas, sei que perderam tudo (alguns nunca tiveram grade coisa) e que agora fazem de nós os seus confidentes. No fundo, eu sou um deles e gostava muito de poder dizer-lhes isso, mas ainda nenhum me descobriu, visto que andam à procura de algo para vender, parta terem dinheiro para comer. Ora, ninguém compra uma velharia rota como eu.

Olha, aí vem o Barrete Vermelho! É simpático, embora um pouco tímido. Pegou num rádio ao meu lado e os seus olhos brilharam. Vira algum potencial naquilo, talvez valesse qualquer coisa. O Barrete Vermelho perde algum tempo a olhar à sua volta. Vira-se de costas para mim, retornando alguns segundos depois.

Fixou o seu olhar doce em mim e sorriu. Parece-me que chama alguém, e chama mesmo. Diz-lhe que precisa de ajuda para me transportar e que lhe dará também uma ajuda com as suas coisas, caso precise.

O homenzinho atarracado aceita e pergunta-lhe onde quer que me deixe. O Barrete Vermelho, que, ao que parece, é o meu novo dono, responde-lhe que devo ficar "no sítio do costume".

Não faço ideia do que isso significa, mas soa bem. Seja onde for, é melhor do que a lixeira onde eu estava, até porque agora terei companhia.

Assim que me poisam no chão apercebo-me de que estou num beco, nas traseiras de um restaurante. Há alguns caixotes do lixo ao meu lado e o ar cheira a gordura e a fritos.

Veio imediatamente para junto de mim um cão desgrenhado, cheio de energia. Oiço o meu dono dizer que se chama Cacau.

O Barrete Vermelho diz ao seu amigo que agora não terá que dormir em cima de cartões. Tenho pena de não ser uma cama, assim ele estaria mais confortável. De qualquer forma, parece feliz, e o Cacau também. 

Parece que finalmente deixo alguém feliz, mesmo com todos estes defeitos! Estou realmente satisfeito!

A noite chega e o meu dono, depois de o senhor do restaurante lhe ter dado algo para comer, chama o Cacau e deitam-se os dois em cima de mim, tapados por um cobertor cheio de remendos, mas que parece ainda exercer bem a sua função.

Este foi o momento em que a minha vida mudou, visto que já tenho utilidade e quem goste de mim, e a do meu dono e do seu companheiro também, agora que já têm noites um pouco mais confortáveis e felizes.

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